LEITURA CRÍTICA TÉCNICA E PARTICIPATIVA
COORDENAÇÃO DE EQUIPE TÉCNICA
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O GT de Coordenação de Equipe Técnica trata da articulação dos conteúdos dos GTs Temáticos, na integração e transversalidade entre os conteúdos organizados pelos GTs de modo a compatibilizá-los, apontando, quando for o caso, convergências e conflitos entre as diferentes temáticas.
Nesta fase o GT8 concentrou-se na construção de uma síntese da leitura crítica acerca dos espaços livres do Campus, através de cruzamento de caracterizações de relevo, mobilidade e densidade populacional no campus com a oferta de serviços de alimentação e serviços. Debruçou-se também sobre uma leitura territorial da relação do campus com sua vizinhança imediata.
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ISOLAMENTO E BARREIRAS INTERNAS
O Campus e a cidade
No momento de sua implantação inicial, a Cidade Universitária fez parte de um projeto do governo do Estado de São Paulo que buscou concentrar diversas instituições de pesquisa e ensino em terrenos da Fazenda Butantan, uma região pouco habitada situada a 8 km do Centro da cidade. A expansão urbana que este vetor sofreu nas décadas subsequentes fez com que a região do Butantã passasse a ser uma das regiões consolidadas da cidade, marcadas pela presença de grandes densidades populacionais, de comércio e serviços. Entretanto, apesar disto, o Campus é marcado por um isolamento em relação à cidade.
Atualmente, de acordo com a Lei de Zoneamento da Cidade de São Paulo, a área do Campus faz parte de uma Zona de Ocupação Especial (ZOE), que também engloba o IPT e o Instituto Butantan. A região recentemente integrou um Projeto de Intervenção Urbana (PIU Arco Pinheiros), no qual a Nota Técnica destacou a importância de criar maiores relações entre o Campus e a Cidade, apontando para possíveis conexões entre, por exemplo, a malha viária da CUASO e dos bairros vizinhos através da abertura de novas avenidas, ou através da construção de uma ciclopassarela sobre o Rio Pinheiros, a Raia Olímpica e a Marginal. Contudo, em função da especificidade da ZOE-USP, o PIU Arco Pinheiros determinou a necessidade de um Projeto de Intervenção próprio para esta região para “a fixação dos demais parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, bem como a definição de diretrizes para sua integração com o entorno”. Este PIU ainda não foi elaborado e o Plano Diretor do Campus deverá ser um insumo importante para esta discussão.
Conforme acima, o Rio Pinheiros e a via expressa implantada junto a seu canal, isolam boa parte do Campus de toda a região do bairro Pinheiros, setor urbano já consolidado. O mesmo ocorre nas fronteiras leste, onde o Instituto Butantan atua como barreira entre o Campus e os bairros vizinhos, e a oeste, onde a presença do IPT age como grande área que separa o Campus da região do Jaguaré. Em um dos pequenos perímetros mais conectados (junto ao P1) a relação do Campus é com um bairro residencial de baixíssima densidade. Os eixos comerciais de maior ocupação e circulação dos bairros adjacentes (junto à estação Butantã do Metrô e, para além do Instituto Butantã, se encontram a uma distância de no mínimo 1,00km em relação aos portões de acesso. Em contrapartida, a região do P3 se mostra como uma exceção a esse isolamento, possuindo mais relações diretas com bairros vizinhos mais densos. Porém, nota-se que essa região possui uma baixa densidade de ocupação dentro Campus, tendo em vista que boa parte da população da Cidade Universitária concentra-se na região de várzea e ao longo da Av. Luciano Gualberto, tanto no período diurno quanto noturno, conforme abaixo.
Diferentemente da região ao longo da Av. Luciano Gualberto, bastante isolada da cidade, a região próxima ao P3 possui características particulares na relação com os seus arredores. A região foi ocupada a partir de desapropriações da Vila Oriental e da Vila Butantã e não fez parte do Projeto Urbanístico inicial da Cidade Universitária, que demarcou a região apenas como “área de expansão”. A ocupação por parte da USP foi se dando paulatinamente neste espaço, aproveitando o sistema viário que havia sido parcialmente implantado nestes dois bairros antes da desapropriação. Com isto é possível observar neste espaço a ocupação é fragmentada, inclusive com vários terrenos vazios e outros ocupados ou cedidos, regulamentados ou não, como é o caso da Favela São Remo, o 16º Batalhão da PM, a 91ª Delegacia de Polícia, área da SABESP, a E.E. Profa. Clorinda Danti e a Creche Maria de Nazaré.
Esta é a região da USP que possui uma das maiores relações com a cidade, tanto pelo lado da população do Campus que busca comércio e moradias na região, quanto por parte da população dos bairros aos arredores, que buscam na USP espaços de lazer, cultura e serviços, como o HU. Nas Oficinas Participativas este tema aparece tanto como um potencial de maior relação USP-Cidade (especialmente para pedestres e bicicletas), quanto como objeto de conflito, especialmente na fronteira com a favela São Remo, ocupação de moradia que se desenvolveu com a construção do Campus nos anos de 1960 e que pressiona constantemente as glebas ao redor para sua expansão.
Nesta área especificamente podemos destacar os seguintes pontos de conflito a partir do material das Oficinas participativas: passagens de pedestres para o campus com pouca qualidade; pressão por ocupação de áreas livres junto aos equipamentos coletivos; pressão por ocupação de áreas vazias junto ao HU e à área destinada ao Galpão de Reciclagem; ocupação da calçada junto ao muro do HU e da FOFITO; e descarte irregular de resíduos junto ao muro do Campus.
Os moradores da favela, historicamente, têm o Campus como oportunidade de emprego, lazer, estudo e hoje também de negócios ligados ao aluguel de residência estudantil e ao fornecimento de serviços e pequenos comércios de conveniência para os usuários do Campus, conforme o CENSO Vizinhança USP e levantamento do GT Convivência. Diante deste cenário de vizinhança, a Leitura reconhece a necessidade de definição e regularização fundiária, assim como o potencial de melhor integração sócio-territorial com este bairro popular que também se configura como uma das interfaces do Campus com a cidade.
Barreiras internas no Campus
Conforme pontuado na introdução e abordado pelo GT de Patrimônio, o projeto urbanístico inicial da CUASO era caracterizado por edifícios espaçados entre si, abertos, que se conectariam através de vias de grande fluxo projetadas para serem percorridas por modos motorizados. As áreas livres, por sua vez, foram pensadas como estacionamentos, regiões de passagem ou áreas monumentais.
Mesmo considerando as distâncias, destaca-se que a concepção inicial do Campus contava com aspectos que poderiam levar a uma maior integração entre as unidades, baseando-se principalmente na existência de edifícios de livre circulação e, em muitos projetos, livre atravessamento. Porém as formas concretas de ocupação e expansão das unidades foram desenhando muros, grades e cercas que, associados a presença de grandes áreas como o IPEN e o Bosque do IB, foram constituindo barreiras dificultando a integração e mobilidade entre as distintas unidades, para além do próprio sistema viário principal que não foi projetado na escala do pedestre (veja GT Mobilidade). Soma-se a isto, como já apontamos acima, um sistema viário incompleto e fragmentado na região do P3.
Desse modo, foram identificadas três configurações no Campus. Uma área com forte integração ao redor da Praça do Relógio e do Bandejão Central, que abarca toda região do baixo matão e do chamado “corredor das humanas” (espaço projetado desde a FAU até o prédio da História e Geografia), mas que tem seu fluxo interrompido pelo cercamento do IGC. Por outro lado, há uma segunda região com um projeto de integração original mas que, em decorrência dos bloqueios erguidos ao longo do tempo e de áreas livres majoritariamente compostas por estacionamentos, resultou em unidades mais fechadas em si mesmas, com precária integração com o restante do Campus. Por fim, há aquelas unidades que, pela topografia, vegetação, cercamento ou falta de conexão em um planejamento urbano inicial, encontram-se isoladas das demais.
ANÁLISE DE SUBESPAÇOS, CARACTERÍSTICAS E QUESTÕES
A partir das análises anteriores, buscamos verificar as diferentes problemáticas de maior incidência nas Oficinas (ver GT Convivência e GT Mobilidade) e relacioná-las com os levantamentos de densidades populacionais, de relevo, de bloqueios e barreiras. Assim, foram identificados 14 subespaços dentro do Campus com base nesses fatores e nas dinâmicas contemporâneas de uso do território, isso é, pelo modo como a comunidade vivencia estes espaços e sua interface com a cidade tal qual apontado pelo GT de Convivência.
Esse diagrama de setorização foi cruzado com a oferta de alimentação no Campus (restaurantes, lanchonetes, Food Trucks, máquinas de vendas automáticas, iniciativa de alunos e outros) levantadas a partir de formulário enviado às unidades em maio de 2024. O mapa a seguir representa o cruzamento entre esses subespaços e essas ofertas, destacando-se áreas pior servidas por opções de alimentação.
Com base no mesmo questionário, foi realizado também o cruzamento desta setorização com a oferta de serviços (xerox, livrarias, loja de roupas, lojas de informática, lojas de conveniências e afins) dentro do Campus. A análise destes dados mostra que, mais ainda do que ocorre com as opções de alimentação, os serviços oferecidos no Campus concentram-se quase que exclusivamente em uma pequena região (desde o CRUSP, as unidades ao longo do corredor das humanas e o baixo matão).
Assim, nota-se que a oferta de serviços e alimentação coincidem com as manchas das áreas mais integradas do Campus, conforme o mapa de Integração e Fragmentação. As áreas que ficaram isoladas ou com acesso dificultado, seja pela geografia, seja pelos cercamentos, também são marcadas por uma menor oferta de opções de alimentação e serviços.
O levantamento de áreas livres ociosas entre unidades, bordas do sistema viário e edificações sem uso ou com necessidades urgentes de reestruturação apontam regiões com potencial para acolher a demanda por espaços de convivência, expansão de edificações e outros usos detectadas como lacunas por esta leitura. São espaços que ao longo destes anos do Campus já tiveram alguma atividade gregária, como o Anfiteatro da rua do matão, ou que tem potencial de qualificação uma vez que já vem sendo usados como ponto de encontro, alimentação ou outras atividades como o estacionamento junto ao IEB. São também áreas com potencial paisagístico como a praça do pôr do sol ou edificações que abrigam funções que foram reestruturadas ao longo da história do Campus, como oficinas da PUSP-CB ou galpões entre a POLI e o IRI. Assinalamos também o grande potencial paisagístico e urbanístico constituido pela Avenida da Raia, Praça do Relógio e travessa C, definido aqui como um subsetor que hoje já concentra uma série de usos temporários como corridas e atividades esportivas, feiras e atividades culturais e que pode ser pensado para melhor acolher estes usos. Além destas áreas mapeadas abaixo, o GT mobilidade apresenta também o potencial de reconversão de estacionamentos (ver GT mobilidade) subutilizados que também poderiam acolher outros usos, a exemplo do novo espaço de convivência inaugurado na POLI.
OS DESAFIOS DA GESTÃO DO CAMPUS HOJE
As indefinições de compartilhamento de responsabilidades
A gestão das áreas livres hoje é compartilhada entre a PUSP-CB e as unidades Entretanto o perímetro, assim como as atribuições e responsabilidades compartilhadas não estão claramente definidos, gerando muitas vezes conflitos e regiões que são uma espécie de “terra de ninguém”.
Por um lado, sendo o Campus um lote único, a princípio a totalidade dos espaços não construídos deveria ter uma gestão unificada. Por outro, na prática, em função de necessidades específicas das unidades em relação a seus entornos, que dificultariam as definições de contratos únicos (por exemplo em relação ao paisagismo e suas formas de manutenção), acabou-se por se estabelecer perímetros informais de gestão. A estas questões se somaram os cercamentos de áreas comuns, que, sob a justificativa da segurança patrimonial, acabaram reforçando uma leitura de que partes das áreas comuns do Campus não seriam mais comuns, mas sim privativas e portanto não sujeitas às regras gerais, o que contraria não apenas o projeto do Campus mas também qualquer perspectiva de diretrizes comuns.
É um desafio do Plano Diretor enfrentar este tema, propondo formas de gestão que superem as indefinições presentes hoje, enfrentando os dilemas e problemas envolvidos.
Situações territoriais específicas fora da CUASO
Conforme estabelecido pelo Regimento do Conselho Gestor do Campus, além das áreas presentes dentro da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira, também estão sob administração e responsabilidade da Prefeitura do Campus USP Capital Butantã o Museu de Arte Contemporânea (MAC), o Museu Paulista, o Museu de Zoologia e o Centro de Biologia Marinha (CeBiMar). Neste primeiro momento, estes territórios não foram objeto de análise por suas especificidades, que incluem inclusive imóveis fora da cidade de São Paulo. Entretanto, essas unidades participaram das Oficinas Participativas, tanto online quanto presenciais, pontuando a necessidade de se levar em consideração as demandas destes territórios para que as diretrizes adotadas para esse plano também sejam integradas e correspondam à realidade destas unidades.
Dentre as necessidades levantadas, destaca-se a demanda dos museus, em especial o Museu Paulista, por espaços para o armazenamento e guarda de sua reserva técnica, que pode inclusive ser suprida por edificações subutilizadas da Cidade Universitária. Nota-se também a necessidade urgente de pensar alternativas para proteção do CeBiMar tendo em vista que, em função de sua localização, a unidade já se encontra afetada por tempestades e eventos climáticos extremos, inclusive os decorrentes da elevação do nível do mar.
De modo geral, este processo apontou a necessidade de um planejamento específico voltado para a necessidade de uma maior integração destas unidades à vida no Campus, algo pontuado também no processo participativo, além da própria demanda de realização de um plano diretor específico para uso dos imóveis que pertencem a essas unidades.